Africa Monitor

Análise

Luís Bernardino: A participação de Portugal na edificação das Forças Armadas Angolanas*

 Luís Bernardino: A participação de Portugal na edificação das Forças Armadas Angolanas*


• Versão resumida de artigo publicado inicialmente na Revista da Escola de Guerra Naval do Brasil


Num período conturbado da História da República de Angola, em que após alcançar a sua Independência e na sequência dos Acordos de Bicesse, se procura edificar umas Forças Armadas nacionais, integradoras e agregando os movimentos armados dos três Movimentos de Libertação, o papel de Portugal e mais concretamente da Comissão Conjunta Político-Militar (CCPM) revelou-se decisiva e fundamental para criar o embrião do que são atualmente as Forças Armadas de Angola.

O processo de formação das FAA na sequência dos Acordos de Bicesse, quer no aspecto operacional associado ao processo de formação, quer na definição e levantamento dos aspectos organizativo-legais, evidenciou uma forte liderança político-militar Angolana que beneficiou do planeamento estratégico dos assessores portugueses, e que ainda atualmente constitui parte da matriz identitária das Forças Armadas Angolanas ao serviço da República de Angola.

Portugal e as suas Forças Armadas, através da CCFA, liderada pelo General Tomé Pinto constituíram, na sequência dos Acordos de Bicesse em 1991 o cerne da formação das Forças Armadas Angolanas. O contributo para a criação das FAA, assente nos pilares da Formação e da Disciplina e Justiça Militar, são ainda atualmente recordados com apreço pelas Autoridades Militares Angolanas que reconhecem o esforço, a dedicação e todos os importantes contributos dados para a primeira tentativa de criação das FAA, com reflexos positivos no que são as Forças Armadas Angolanas atuais.

Contudo, o processo desenvolvido entre meados de 1991 e finais de 1992 caracterizou-se por uma divergência político-estratégica latente entre o processo decisório político e o processo operacional militar, onde principalmente a falta de tempo útil para consolidar e amadurecer a criação das FAA ditaria, após o fracasso do processo eleitoral de 1992, um constrangimento ao processo de formação das Forças Armadas de Angola e do alcançar da paz no país. Ainda assim, a visão estratégica para a criação das FAA assente na formação conjunta dos militares das FAPLA e das FALA permitiu a absorção das divergências ideológico-militares entre as lideranças das Partes que convergiram no normativo para a área da Justiça e Disciplina, na linha do que definia o documento trabalhado em Lisboa pela CCFA “Um Conceito para as Forças Armadas de Angola” e que apontava as principais linhas de ação para o desenvolvimento das FAA, permitindo conjugar estrategicamente os interesses apresentados pelo Governo e pela UNITA na sequencia das negociações pós Bicesse para a formação das FAA.

Em resumo, considera-se que relativamente à atividade da CCFA na edificação das FAA ressaltam as seguintes ideias principais: O Processo de criação das FAA, apesar de sempre assessorado por Portugal, foi genuinamente Angolano e aceite pelas Partes implicando a absorção de novas doutrinas, técnicas, tácticas e procedimentos, congregando as FAPLA e as FALA e assente num enorme esforço financeiro do Governo de Angola; Deu-se prioridade à criação dos órgãos de Comando e ao início da Formação militar (através da acção do Brigadeiro Aranha e do General João de Matos) com pleno empenho de Portugal através dos assessores nomeados, dos apoios recebidos do EMGFA e em especial dos quadros do IAEM e do treino antecipado na Escola Prática de Infantaria.


Em paralelo, definiram-se as regras e normas jurídicas, legais e organizativas que enformariam as FAA, procurando-se que todos os ex-combatentes das FAPLA ou FALA fossem reintegrados (em ligação com a desmobilização conduzida pelo Brigadeiro Álvaro Bonito) ou apoiados pelas FAA. Simultaneamente procurou-se criar um Sistema Logístico-Administrativo que alimentasse e apoiasse o Sistema de Formação, que estava assente num recrutamento Nacional, o que permitiu congregar as FAPLA e as FALA nas FAA e criar um sentido de coesão nacional e pensa-se que foi importante o desenvolvimento do Sistema Operacional implantando numa malha territorial (Sistema de Forças Nacional) que permitisse um maior entrosamento com as populações, fortalecendo o sentido de Nação e de colaboração em tarefas sociais e de desenvolvimento económico-social.

No projecto de edificação das Forças Armadas Angolanas na sequencia da assinatura dos Acordos de Paz de Bicesse, as Forças Armadas Portuguesas estiveram na primeira linha da cooperação militar que ainda hoje une Portugal e Angola.



Luís Manuel Brás Bernardino é Tenente-Coronel de Infantaria do Exército Português, habilitado com o Curso de Estado-Maior e é membro da Direcção da Revista Militar. Atualmente desenvolve investigação no Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL) do ISCTE-IUL com um projecto de pós-doutoramento sobre as Arquitecturas de Segurança e Defesa Africanas.