Análise
Uma nova visão estratégica da CPLP no domínio da Defesa
Por: Luís Manuel Brás Bernardino*
A CPLP vem afirmando-se no mundo global, através da adoção de uma inovadora e pragmática visão político-estratégica para a cooperação sectorial entre os seus países membros. Paradigma que se torna evidente não só pelo crescimento institucional sustentado, como pela crescente presença nos fora internacionais; pelo volume de conteúdos existentes no ciberespaço e pela dimensão cultural e académica que alcançou, mas principalmente pela dinâmica organizacional associada aos múltiplos programas, projetos e protocolos de cooperação sectoriais, que têm sido desenvolvidos desde 1996 , nomeadamente na vertente da segurança e defesa. Uma organização que está a deixar a fase da adolescência, do crescimento e a entrar numa fase mais adulta do processo evolutivo, e por isso, é hoje uma Organização mais segura nas suas políticas, mais pragmática e interventiva nas suas estratégias sectoriais e que aposta cada vez mais no desenvolvimento institucional e na relação com o mundo atual. Estamos contudo certos que o paradigma virtuoso “língua-cultura-afetos” continuará a significar muito do que a Comunidade tem como projeto identitário próprio. E estamos também certos que a CPLP continuará a ter como objetivo prioritário afirmar a Língua Portuguesa na geopolítica global.
Neste contexto, num horizonte onde impera, cada vez mais, a necessidade de fortalecer a concertação político-diplomática, importa apostar também na dinamização da economia, do comércio, e contribuir para o desenvolvimento sustentado dos seus países, bem como reforçar a cooperação na área da segurança e defesa. Enfim, contribuir para que a CPLP, possa ser, cada vez mais, uma Comunidade global e globalizadora, uma Comunidade ao serviço dos cidadãos e da sociedade. Ao serviço do desenvolvimento e da segurança dos seus países, pois sem segurança não existe desenvolvimento…
Por outro lado, estamos a viver “tempos diferentes” vividos numa conjuntura com enormes desafios e de alteração de paradigmas. Aspetos que lançam para as organizações como a CPLP novos desafios, mas que para os seus países representa novas e mais desafiantes oportunidades... Nesta dita “conjuntura diferente”, a CPLP apresenta-se como uma organização comunitária onde se partilham valores, ideologias e amizades, mas, que convém não esquecer que assenta, principalmente, nos interesses dos seus Estados membros. É por tudo isso, uma Comunidade onde se pretende apostar numa cooperação estratégica, onde se procuram implementar planos estratégicos de cooperação, onde se aposta na globalização… ou seja, onde se pretende uma maior intervenção no mercado mundial, na ciberespaço e na segurança global . Uma Organização onde a “Segurança” e a “Defesa” se constituam como objetivos politico-estratégicos, pois que só em cooperação estratégica pode fazer face às ameaças transnacionais que pendem sobre os seus Estados membros. Paradigma que obriga, cada vez mais, a ser produtor de segurança e instrumento de paz, de ajuda humanitária e agente do desenvolvimento. Neste contexto, parece-nos ser adequado refletir sobre o significado intrínseco da “cooperação estratégica na CPLP” e saber qual o impacto direto na economia, política externa, diplomacia, cultura e qual o real impacto para a Segurança e Defesa Nacional de cada Estado membro.
Assim, devemos refletir sobre a adoção de uma nova “Visão Estratégica para a CPLP”. Uma visão que aposte na cooperação estratégica, que possa ser materializado, na área da Defesa, num “Plano Estratégico de Cooperação para a Defesa”. Uma “Visão-Estratégia-Plano” que deverá estar politicamente alinhado com os interesses da CPLP no mundo. É ou deve ser, por isso, uma cooperação estratégica que nos obrigue a abrir novamente os horizontes para o mar, mais concretamente para o Oceano Atlântico - que é o “centro de gravidade da CPLP” e apostar numa verdadeira “Cooperação Geoestratégica de Defesa” na CPLP.
Uma cooperação que inclua os potenciais países parceiros e as Organizações Regionais, que ligue e envolva os continentes e os oceanos, que ligue a CPLP à sociedade, que potencie a “pegada lusófona” no mundo. Uma cooperação que leve a Comunidade mais para a África Subsaariana, mais para a Europa, mais para a América do Sul, mais para o Sudoeste Asiático, que reforce a presença no Atlântico Sul, que reforce parcerias e seja o elo de ligação entre países, continentes e organizações…pois a centralidade geoestratégica da Comunidade assim o exige. O verdadeiro dilema é saber como se faz? Como tornar a “velha” cooperação bilateral do passado, na cooperação multilateral do presente, e como ter, no futuro, arte e engenho, para apostar numa “nova” cooperação “bimultilateral” para a Defesa. Ou seja, uma cooperação “bimultilateral” que articule o que se faz entre os Países de Língua Oficial Portuguesa (PLOP) e com o Brasil, com o que deveria fazer-se com outros países (Guiné-Equatorial, Namíbia, Senegal, Zimbabwe e outros que virão) e ainda com as Organizações Regionais que se ligam ao Oceano Atlântico. Refiro-me uma cooperação mais dinâmica, melhor integrada e obviamente “estratégica”. Uma “cooperação estratégica de Defesa” é o que efetivamente se precisa alcançar no âmbito da CPLP para o futuro. Contudo, a verdadeira questão é saber como pode na área da Defesa cada Estado membro potenciar a sua participação na CPLP? Como tornar esta cooperação estratégica? Ou seja, como potenciar a centralidade geoestratégica da CPLP na cooperação na área da Defesa?
O mar é um elemento geopolítico permanente na geografia de todos os Estados membros da Comunidade. Foi através do mar, sob a mesma língua de comunicação, que se forjou a identidade da lusofonia e que abriu caminho para a edificação de uma identidade coletiva, supranacional e comunitária, tão específica como a CPLP. É uma Comunidade de países marítimos (ribeirinhos) que se repartem por três oceanos, usufruindo de 7,6 milhões de km2 de área marítima, com uma enorme potencialidade económico-financeira, mas com uma acrescida responsabilidade na dimensão da “segurança energética” e na “segurança marítima”. Neste contexto, o Oceano Atlântico merece especial destaque porque se trata, por excelência, de um corredor marítimo, como disse, o “centro de gravidade da CPLP”, cuja importância recrudesceu nos últimos anos por razões geopolíticas/geoestratégicas e geoenergéticas conhecidas por todos. O Oceano Atlântico materializa um eixo que une os hemisférios sul e norte, abrindo uma “janela de oportunidade” para que o espaço da lusofonia participe numa cooperação geoestratégica alargada e que aposte numa estratégia securitária coletiva reforçada.
Estamos perante um “novo paradigma securitário” que implica uma maior aposta na cooperação na área da Defesa no quadro da CPLP, nomeadamente na segurança marítima e muito especialmente na ligação com as Organizações Regionais. Um paradigma securitário que materializa o verdadeiro sentido da centralidade geoestratégica da CPLP no mundo…e que contribuirá para se alavancar “novas “ e “velhas” alianças. A adoção da “Estratégia da CPLP para os Oceanos” (2010) veio demonstrar, claramente, a necessidade de reforçarmos as ações de cooperação marítima, abrindo as portas para uma interoperabilidade e uma partilha de meios e de informações mais eficiente e proactiva…nomeadamente entre as Marinhas da CPLP e as autoridades navais e aéreas. O documento veio ainda apelar ao caracter “conjunto” e “combinado” das intervenções e abriu a porta para uma “Cooperação Estratégica no Domínio da Defesa”, assente na vertente da segurança marítima.
Falemos agora da Cooperação Técnico-Militar (CTM) e do contributo para a área da Defesa na CPLP… pois não podemos falar de cooperação na vertente da Defesa na CPLP sem nos referirmos à CTM. A cooperação da CPLP no domínio da Defesa resultou das recomendações dos Ministros da Defesa de Portugal e dos PALOP (o Brasil era observador), reunidos em julho de 1998, em Oeiras - Lisboa, iniciando-se, ainda fora da Comunidade, as atividades de cooperação na componente da Defesa . Ou seja, a componente da Defesa no quadro da CPLP, resultou da excelente cooperação “bilateral” que existia entre Portugal e os cinco PALOP – materializado nos programas quadro ao nível da CTM que estavam em desenvolvimento. Neste contexto, o acordo sobre a “Globalização da Cooperação Técnico-Militar” assinado pelos Ministros da Defesa em 25 de maio de 1999, na cidade da praia (Cabo Verde), fez com que a componente de Defesa da Comunidade consolida-se os seus órgãos estruturantes com o objetivo de “…promover e facilitar a cooperação (...) sistematizando e clarificando as ações a empreender…”(1999). A cooperação na área da Defesa resultou assim de uma primeira “globalização interna da cooperação”, num alinhamento multilateral do melhor que se vinha fazendo em termos bilaterais. Uma cooperação em que se procurou melhorar a estruturação organizacional do que se vinha fazendo praticamente desde as independências com cada um dos “novos” Estados Africanos. O quadro legal seria aprovado pelos Ministros da Defesa também na cidade da praia a 15 de setembro de 2006. Referimo-nos ao “Protocolo de Cooperação da CPLP no Domínio da Defesa” que é atualmente o documento-quadro com base no qual se rege toda a cooperação dos países da CPLP neste domínio.
Do Protocolo de Defesa resultaria, oito anos depois, na XVª Reunião de Ministros de Defesa, realizada em Lisboa a 26 de maio de 2014, as indicações para que esta componente fosse dotada de um mecanismo de cariz orientador e conceptual, capaz de dar sentido às iniciativas e à cooperação multilateral, tendo sido então apresentado no conselho ordinário de Ministros da CPLP, realizado em 24 de julho de 2015, em Díli, a “Identidade da CPLP no Domínio da Defesa”. Esta evolução do bilateral, assente na CTM para o multilateral assente na CPLP, representando uma dinâmica evolutiva interna, vem agora colocar a necessidade aos Estados membros de evoluírem para uma “globalização plena” e de apostar numa cooperação bimultilateral assente numa dinâmica evolutiva externa. Pois que a CPLP, não podendo agir nem como bloco defensivo regional, nem como estrutura global de Defesa capaz de atuar em qualquer cenário, limitado pelo supracitado “Protocolo da Cooperação da CPLP no Domínio da Defesa”, tem no entanto uma vocação universal de proteção regional e de intervenção ao nível da ajuda humanitária local. Uma postura mais interventiva que obriga a outra perspetiva securitária, pois só assim fazem sentido, os exercícios militares “FELINO”; as iniciativas das Marinhas da CPLP; a Estratégia da CPLP para os Oceanos; o Protocolo de Defesa da CPLP e a recente Identidade da CPLP no Domínio da Defesa. E só assim fará igualmente sentido, discutir num futuro próximo a nova “Visão Estratégica da CPLP”, principalmente nos aspetos que à “Segurança” e “Defesa” dizem respeito.
Para concluir, sublinho que a componente de Defesa da CPLP tem, desde a sua criação, contribuído de uma forma construtiva para a operacionalização da “Arquitetura de Segurança da Comunidade” e para uma maior capacitação operacional das Forças Armadas dos seus Estados membros. Por outro lado, no caminho de afirmação global é essencial a contribuição da sua componente da Defesa, não só pelo caracter eminentemente construtivo e cooperativo, mas também pelo exemplo de coesão e proficiência que os diferentes órgãos desta componente têm demonstrado. Um destaque especial para o Centro de Análise Estratégica da CPLP que tem contribuído, a partir de Moçambique, para esta reflexão no seio da Comunidade e não só….
Em suma, seguindo os princípios adotados pela cooperação bilateral e multilateral, será a cooperação “bimultilateral” a nova forma de cooperação estratégica que a Comunidade necessita para se afirmar neste mundo global. Aspetos evidenciados na nova “Identidade da CPLP no Domínio da Defesa” que sendo um documento que aposta na “cooperação transatlântica estratégica” no seio da Comunidade e entre a Comunidade e as demais Organizações Regionais, deverá contribuir para a nova “Visão Estratégica da CPLP”, pois assim poderá contribuir para afirmar cada Estado membro na Comunidade e a Comunidade em cada Estado membro.
* Luís Manuel Brás Bernardino é Tenente-Coronel de Infantaria do Exército Português, Doutorado em Relações Internacionais, investigador e membro de direção da Revista Militar. Tem vários livros publicados sobre os PALOP, com enfoque nos setores da defesa e segurança.
Foto: www.presidencia.pt