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Luís Bernardino: Nigéria e Angola vão continuar a disputar influência na Guiné-Bissau

“Falar sobre segurança em África, e sobretudo em Angola, é um enorme desafio”. Quem o diz é o Tenente Coronel de Infantaria do Exército Português, professor Doutor Luís Bernardino, que vê nas Forças Armadas (FA) Angolanas um instrumento de política externa do Estado, no contexto de arquitetura de paz e segurança interna, mas também da África Subsaariana.

O LusoMonitor falou com este investigador a propósito dos estudos que levou a cabo sobre a segurança e defesa africanas, base da sua comunicação no seminário de estudos africanos, que decorreu na semana passada no Instituto Universitário de Lisboa, ISCTE. Em foco esteve a relação Angola Guiné-Bissau, retomando a presença da MISSANG, Missão Militar Angolana na Guiné-Bissau até Abril de 2012, altura em que se deu o golpe de Estado e o país passou a contar com as forças da CEDEAO, liderada pela Nigéria.

Lusomonitor – Dos seus estudos sobre as FA Angolanas como analisa as relações de conflituosidade entre Angola e Nigéria, como duas potências regionais no âmbito do conflito que ocorreu na Guiné-Bissau, em Abril de 2012, do qual resultou o Golpe de Estado que depôs o então Primeiro-ministro Carlos Gomes?

Professor Luís Bernardino – Não considero que exista um sentido de conflitualidade entre Angola e a Nigéria, mas sim um sentido de competição ou de disputa por um interesse geopolítico que é evidente e que passa pelo posicionamento de Angola na relação com as lideranças da Guiné-Bissau e os seus interesses diretos na região do Golfo da Guiné.

Angola desenvolve uma política regional de afirmação dos seus interesses e que passa por uma presença e ligação neste espaço que é estratégico para Angola, para a Nigéria, bem como outros países na região, principalmente o controlo do porto de Buba, que é um porto de águas profundas, ideal para o comércio do bauxite, que também interessa a Angola, um aspeto que deve ser tido em conta.

LM – Portanto, esta intervenção deve ser encarada como uma ação de Angola como Estado e não no âmbito da CPLP.

LB – Sim, Angola agiu bilateralmente com o envio da MISSANG e não teve nada que ver com a CPLP. Aliás a CPLP apenas teve um papel de mediador e, a nível da conversação e da diplomacia, não interveio diretamente no conflito, muito menos com forças militares e muito menos através da intervenção das Forças Armadas Angolanas.

LM – Que impactos tiveram esta intervenção angolana na Guiné-Bissau?

Este posicionamento permitiu a Angola projetar a sua política externa regional através da demonstração das capacidades da sua FA, visando os seus próprios interesses de projeção em termos regionais, continentais (UA) e para se posicionar como produtor de segurança em face da sua intenção futuras para as Nações Unidas, na qual ambiciona vir a estar representada a nível do Conselho de Segurança (como membro não-permanente) e a ter um papel preponderante na manutenção da paz e resolução de conflitos nos países da África Subsariana e em África.

Falamos de um estatuto que pretende assumir de potência regional em ascensão, que utiliza as suas Forças Armadas como mecanismo de projeção do seu poder e de Política Externa.

LM – Ainda, sobre a questão de "disputa" com a Nigéria, Angola fez uma retirada rápida neste conflito, embora continuando a sua cooperação com a Guiné-Bissau, nomeadamente na área de formação. Como vê essa decisão?

LB – As autoridades Angolanas tiveram uma visão político-estratégica adequada e os timings de entrada e saída no conflito interno, pareceram-me ajustados. Teve como positivo o facto de provar que tem capacidade de projetar o seu instrumento bem para além das suas fronteiras, utilizando a sua Força Aérea, que é das melhores na região subsaariana, e que pode agir como produtor de segurança e como mecanismo de gestão de conflitos em África.

Não existem muitos países em África com esta capacidade. Perante alguma pressão internacional, e num quadro regional Africano, Angola retraiu a MISSANG e deu mais um passo no seu processo de país credível e cumpridor nas dinâmicas regionais da paz e segurança.

LM – durante o debate falou da legitimidade da Nigéria, no âmbito da CEDEAO, pressionar a retirada de Angola na medida em que estava a lutar por garantir influência numa área regional que é sua.

LB – A Nigéria é um dos três países que mais cresceu no ano de 2013 em termos económicos no continente Africano (a par da Namíbia e de Angola), muito devido à produção petrolífera e à capacidade de influenciar o comércio regional africano.

No contexto da CEDEAO, a Nigéria assume-se como nação líder e utiliza a própria Organização Regional Africana como instrumento de ação estratégica.

No caso da Guiné-Bissau a presença de forças militares nigerianas incluídas na força de apoio da CEDEAO permite reforçar esse estatuto (que Angola estava a ameaçar). Para além dos interesses económicos e de protagonismo associados ao desempenho da CEDEAO na procura de resolver, com a Comunidade Internacional, o impasse na Guiné-Bissau. Estou muito interessado em ver qual a reação da Nigéria e países vizinhos à entrada da Guiné-Equatorial para a CPLP…onde Angola se constituiu como um dos principais apoiantes…

LM – Qual é a sua visão sobre a possibilidade de, após 2 anos depois do golpe na Guiné-Bissau, se continuar a "disputa" de influência entre Angola e Nigéria no contexto atual e para além das próximas eleições.

LB – Essa disputa vai continuar. Numa dinâmica de relações Internacionais, os Estados competem ou cooperam, e neste caso, pelas razões que já referi, a Nigéria e Angola serão competidores naturais.