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Mali: Revés para AQIM em vésperas de partida de novo contingente português

Mali: Revés para AQIM em vésperas de partida de novo contingente português

O abate de Abdelmalek Droukdal no Mali pode significar o fim de uma geração de líderes terroristas 

Por Jorge Alves*
 

O líder da Al-Qaeda no Magreb Islâmico (AQIM) o emir Abdelmalek Droukdal, juntamente com colaboradores seus, foi neutralizado por tropas francesas no Mali, no passado dia 3 de Junho. Numa altura em que se prepara a partida de um novo contingente militar português para o país, A morte de Droukdal pode significar o fim de uma linhagem de líderes terroristas veteranos.

Segundo a ministra francesa das Forças Armadas, Florence Parly, a neutralização, logo interpretada como abate, ocorreu com apoio de parceiros numa operação realizada no norte do Mali, que a AFP identificou como sendo a noroeste de Tessalt, próximo da fronteira com a Argélia.

O corpo foi formalmente identificado - um dado importante, pois não foi a primeira vez que esta morte foi anunciada, e terão sido liquidados mais quatro elementos. Não foram usados testes de ADN para a identificação, mas antes a confirmação da identidade por outro jihadista capturado.

Na operação, colaborou o Comando Africano dos Estados Unidos, com “relatórios de Inteligência (...) e um apoio para bloquear o alvo”, relatou à CNN o porta-voz daquele comando, o coronel Chris Karns. Do lado francês, a operação coube a elementos da missão Barkhane, presentes na região há seis anos e actualmente com cerca de 5 mil homens no terreno. Uma missão que não goza de simpatia no Mali e que se tem destacado por insucessos, segundo alguma imprensa. Desta vez, porém, na sequência de uma vigilância de que operacionais do AQIM vinham sendo alvo há semanas, a operação teve êxito. Logo que cruzaram a fronteira da Argélia, onde estariam escondidos, para o Mali, foram imediatamente dadas ordens para a sua neutralização.

Droudkal, também conhecido por Abu Musab Abdel Wadoud, era um argelino com perto de 50 anos e estudos de engenharia, que terá abandonado para se juntar à Frente Islâmica de Salvação (FIS) e aos Grupos Islâmicos Armados (GIA) nos anos 90 do século passado. Foi aí que iniciou a sua actividade terrorista, no quadro da guerra civil de uma década que estes movimentos fundamentalistas desencadearam na Argélia.

Em 2004, terá assumido a chefia do Grupo Salafista para a Prédica e o Combate (GPSC), que se terá convertido na AQIM em 2007, sob a tutela da Al Qaeda. Desde então, chefiou operações terroristas no norte de África e no Sahel, incluindo as do Grupo de Apoio ao Islão e aos Muçulmanos (JNIM), dirigido pelo malinês Iyad Ag Ghaly.

Em 2012, foi condenado à morte à revelia na Argélia por vários crimes, incluindo ataques bombistas e pertença a organização terrorista. Do seu cadastro fazem parte atentados em que morreram portugueses, como o um hotel no Burkina Faso em 2016, ou de uma estância balnear no Mali, em 2017. Em 2013 participou numa tentativa de ocupar o norte do Mali, neutralizada por militares franceses. Há quem entenda que a partir de 2012, quando o Estado Islâmico despoletou o conflito no Mali, Droudkal perdeu influência a favor de figuras emergentes, como Iyad ag Ghali e Amadou Koufa, chefe da Frente da Libertação de Macina (FLM).

A morte de Droukdal pode significar o fim de uma linhagem de líderes terroristas que pegaram em armas na Argélia há quase três décadas. Vários analistas entendem que ela não significa a suavização das ações armadas na região, até porque há quem entenda que a intervenção de Droudkal ao Mali motivou rivalidades entre os movimentos islâmicos armados que ali disputam influência.

O jornalista Wassim Nasr, especialista em redes jihadistas, considerou no canal de TV France 24 que foi "uma grande perda para o grupo AQMI e também para a Al Qaeda central". Algo que poucos negarão. Mas entende também que, sendo o AQIM o grupo mais forte, influente e com maior logística na região, a morte de Droudkal não deixará de atiçar aquelas rivalidades entre aqueles que querem capitalizar com a sua eventual fragilização.

Por saber está se a par de efeitos na zona de influência da AQIM (norte de África e Sahel, importantes teatros de operações da Al Qaeda), o desaparecimento de Droudkal provocará alterações no terreno, como ocorreu com Bin Laden e Abú Bakr al Baghdadi. Por outro lado, apesar de poder ser considerada uma vitória na luta anti-terrorista na África do norte e ocidental, como referiu à CNN o analista Paul Cruickshank, a morte de Droudkal não deverá afectar a Al Qaeda, que tem 40 mil membros, redes regionais prontas a agir em seu nome e uma resiliência comprovada após 20 anos de luta global contra o terrorismo, entende o Soufan Center.

É precisamente para o Mali que ainda este mês partirão 63 militares da Força Aérea Portuguesa, por seis meses, para integrarem a Missão Multidimensional Integrada das Nações Unidas para a Estabilização do Mali (MINUSMA), que ali tem cerca de 13 mil soldados. O contingente envolve também uma aeronave de transporte C-295.

Durante esse período, “serão responsáveis por missões vitais como operações de evacuação e emergência médicas, a inserção de forças de operações especiais e missões de recolha de informação e reconhecimento, tendo previsto realizar cerca de 100 horas de voo mensais”, esclareceu o Governo de Lisboa.

O ministro da Defesa português, João Gomes Cravinho, entende que a MINUSMA “é essencial para o cumprimento dos frágeis acordos de paz que foram assinados, e para o reforço das capacidades do Estado maliano".

Mas o cenário não é dos melhores. Recentemente, um comboio com material da MINUSMA foi atacado entre Tessalt e Gao, no norte do Mali, tendo morrido dois militares das Nações Unidas. A MINUSMA reagiu “com firmeza” e colocou “os agressores em fuga", disseram as Nações Unidas em comunicado. O mandato da missão termina em 30 de Junho, mas um dia antes deverá ser votada uma extensão por mais um ano.

Entretanto, também do Mali regressaram recentemente os militares portugueses que ali integraram a equipa do Comando da Missão de Treino da União Europeia no Mali (EUTM-Mali), chefiada pelo Brigadeiro-General Boga Ribeiro, do Exército Português entre Dezembro de 2019 e 12 de Junho, quando decorreu em Bamako, a capital maliana, a transferência do comando para ao Brigadeiro-General František Ridzák, da República Checa.

Também esta missão foi prolongada, quer no tempo, até 18 de Maio de 2024, quer no âmbito, que prevê agora "assistência militar à Força Conjunta do G5 Sahel e às forças armadas nacionais nos países do G5 Sahel através de aconselhamento militar, formação e orientação", segundo fonte oficial. Nesse sentido, o orçamento da missão é de 133,7 milhões de euros. Desde 2013 que a missão está baseada em Bamako a pedido do Governo maliano, com cerca de 800 militares de 29 países.

 

Nota: O autor não escreve segundo as regras do acordo ortográfico