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Moçambique sai do último lugar do índice de risco de branqueamento de capitais

Moçambique sai do último lugar do índice de risco de branqueamento de capitais

Moçambique deixou de estar na pior posição do ranking Basel AML Index, uma classificação anual independente que avalia o risco de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo em todo o mundo.

Na edição de 2020 deste ranking, publicada este mês, Moçambique ocupa o 137º lugar entre 141 países, abandonando o posto de «lanterna vermelha» que ocupou em 2019 (em 2018 ficara em penúltimo lugar). Sem deixar de ser um mau resultado, pois registou um nível de risco de 7.81 numa escala de 1 a 10 (em que 10 é o risco máximo), acima da média de 5.22 de todos os países, mantendo-se no patamar de «risco elevado», foi uma evolução positiva face aos 8.22 do ano anterior (e aos 8.28 de 2018).

Pior ficaram apenas o Laos (7.82), Myanmar (7.86), Haiti (8.15) e Afeganistão (8.16). Face a edições anteriores do ranking, a deste ano contempla um novo indicador para o tráfico de seres humanos, o Trafficking in Persons (TIP) Report do Departamento de Estado dos Estados Unidos.

Em 2019, o índice sublinhava que Moçambique tinha “controlos fronteiriços débeis e instituições governamentais fracas”que expunham o país a “crimes transfronteiriços relacionados com tráfico de drogas e seres humanos”. E acrescentava que Moçambique era vulnerável a outras práticas, “incluindo corrupção, furto e contrabando de veículos, roubo, contrabando de dinheiro, comércio ilícito de metais e pedras preciosos, fraude aduaneira e contrabando de bens”. A corrupção era considerada um problema generalizado, num país com deficientes padrões de transparência financeira e incluído na lista do International Narcotics Strategy Control Report (US INSCR) do Departamento de Estado dos Estados Unidos sobre branqueamento de capitais.

O US INSCR, datado de Março, foi mais longe na análise do problema. Desde logo porque considerou a geografia moçambicana, pouco vigiada, facilitadora do fenómeno. Uma linha de costa longa e mal patrulhada, fronteiras terrestres porosas e uma presença limitada das forças da ordem nas zonas rurais tornam Moçambique um “corredor privilegiado para bens ilícitos, como madeira, pedras preciosas, produtos da vida selvagem e drogas”, refere o documento.

Esta combinação de geografia com deficiente controlo do território é especialmente aproveitada por organizações criminosas asiáticas, “que desempenham um papel proeminente nas actividades ilícitas de Moçambique, como tráfico de estupefacientes e produtos de origem animal, caça furtiva e exploração ilegal de madeira”, diz o documento. As autoridades acreditam que estas actividades podem estar a financiar os movimentos extremistas armados no norte do país, designadamente, na província de Cabo Delgado. Segundo o Departamento de Estado, a tudo isto junta-se o imobiliário, que na ausência de uma entidade reguladora também se torna “susceptível ao branqueamento de capitais”.

O branqueamento de capitais em Moçambique é perpetrado principalmente por casas de câmbio, contrabandistas de moeda e corretores «hawala» (que transferem dinheiro sem movimento monetário, mediante um canal alternativo de remessas exterior ao sistema bancário tradicional, sem notas promissórias, baseado na confiança, e que é usado há séculos no sul da Ásia, no mundo árabe e nalgumas zonas de África, Europa e América, servindo actualmente como forma de financiar o terrorismo). De acordo com as autoridades norte-americanas, os mercados negros para este contrabando e este tipo de transacções está bastante disseminado e subjuga a economia formal nalgumas partes do país. Atendendo à negligência no controlo sobre as comunicações móveis e os pagamentos electrónicos, estes últimos tornam-se uma fonte de preocupação, refere o US INSCR, e mais um factor de risco de corrupção e branqueamento de capitais.

O US INCSR reconhece que o Procurador-Geral e o Banco de Moçambique têm manifestado vontade de combater o branqueamento de capitais e que o Governo de Maputo deu passos para melhorar o enquadramento legal nessas matérias. “Todavia, advogados, juízes e polícia carecem de capacidade técnica e recursos para combater com êxito o branqueamento de capitais”, acrescenta o documento, salientando que o Governo teria a ganhar com melhor colaboração entre todas as instituições do país responsáveis pela definição, implementação e aplicação dos mecanismos legais de combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

Mesmo assim, o documento cita os últimos dados disponíveis, de 2017, ano em que a Procuradoria-Geral promoveu 40 investigações criminais, mais 24 do que em 2016, maioritariamente relacionados com “evasão fiscal, tráfico de droga e exploração ilegal de recursos florestais”. Mesmo tendo a Procuradoria-Geral reclamando melhores meios técnicos e mais recursos humanos para analisar a informação recolhida, o Banco de Moçambique multou seis Bancos em mais de 2.8 milhões de dólares em 2019 por incumprimento de normas sobre branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo e aplicou multas a um operador de telemóveis por violar as mesmas disposições, refere o US INSCR.

No mesmo ano, três banqueiros do Credit Suisse envolvidos no escândalo dos empréstimos ocultos de Moçambique deram-se como culpados de branqueamento de capitais nos Estados Unidos. Todavia, o US INSCR lembra que embora a Procuradoria-Geral moçambicana tenha detido 20 pessoas em Moçambique, “incluindo o filho de um ex-Presidente e o ex-Director dos serviços de informações do país por alegado envolvimento no caso, nem a Procuradoria-Geral nem o Tribunal Administrativo promoveram julgamentos em Moçambique”. No início deste ano, Moçambique interpôs em Londres uma acção judicial contra o Credit Suisse visando anular a dívida de 561 milhões de dólares da ProIndicus ao Banco e solicitou uma indemnização sobre as perdas resultantes deste caso.

O mais recente passo de Moçambique na luta contra a aquisição ilícita de bens nem por isso escapou à contestação. A proposta governamental da Lei do Regime Jurídico Especial de Perda Alargada de Bens e Recuperação de Activos, prevista para ser discutida no Parlamento moçambicano na próxima sessão legislativa, mereceu a crítica do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), uma plataforma de organizações da sociedade civil vocacionada para a gestão de finanças públicas.

Embora considere que a proposta, “quando aprovada e devidamente aplicada”, permitirá “rapidez na apreensão e administração de património obtido por vias ilícitas”, o FMO critica-a por tratar “a corrupção e crimes conexos” como “um ilícito comum, o que não é”. Além disso, o FMO critica o prazo de cinco anos que a lei confere para recuperar activos obtidos ilicitamente e sugere 15 anos. Para Adriano Nuvunga, coordenador do FMO, citado pela Deutsche Welle, cinco anos é um prazo “ínfimo” e é “estabelecido desta maneira para favorecer os corruptos deste país”, pois muitas vezes os activos são transferidos antes de os responsáveis serem constituídos arguidos. Finalmente, o FMO não quer que seja o Governo a instituir o Gabinete de Recuperação de Activos, conforme está na proposta, mas antes a Assembleia da República, que deve propor pessoas idóneas de diversos sectores e quadrantes da sociedade. Com esta proposta, as autoridades moçambicanas esperam contrariar a incapacidade do Estado para evitar a transferência de activos do país, de forma ilícita, para mãos alheias. Tais activos ascenderão a 5 mil milhões de dólares, nas contas de Adriano Nuvunga. (JA)


Nota: O autor não escreve segundo as regras do Acordo Ortográfico