Africa Monitor

Acesso Livre

Paulo Guilherme

África (Up)Rising*

África (Up)Rising*

O anúncio, pela União Africana, de que o Acordo de Comércio Livre Continental Africano passará à fase de implementação em Janeiro de 2021, foi recebido com doses iguais de entusiasmo e cepticismo.

Entusiamo pelo potencial para expansão das trocas entre os países africanos - que, dadas as tendências de exponencial crescimento populacional no continente, dentro de algumas décadas serão, no seu conjunto, o mercado de maior dimensão do mundo. Foram várias as projecções estatísticas lançadas nos últimos dias sobre o seu impacto - em termos de milhares de milhões de dólares ou percentagens de dois dígitos - para o comércio e o crescimento económico no continente.

Sem dúvida, o mercado continental é uma oportunidade única para captar investimento produtivo e ajudar o continente a quebrar a lógica da extracção e exportação de matérias-primas. Angola e São Tomé e Príncipe estão entre os países que já ratificaram o acordo. Mas convém ter presente que, para os investidores estrangeiros, os mercados africanos são ainda desconhecidos, de elevada complexidade e imprevisibilidade. A fronteira entre política e negócios é ténue, a lei e as instituições são frágeis, e aquilo que é um bom e honesto negócio um dia, no outro é uma ordem de prisão ou de expulsão do país. Às vezes, como os que fazem negócios em África saberão, quem complica são elites acima da lei, que querem ficar com o negócio...

Graças ao esforço de gerações de africanos pré e pós-independência, são diversos os países com boas instituições e bons padrões de governação em África. Países atraentes para bons investidores. No contexto lusófono, Cabo Verde é o mais notável. Mas também são imensos os desastres - recentes e em curso - ao nível de políticas. Infelizmente, estes são atraentes para "investidores", mas de outro tipo...

O problema dos optimismos excessivos é que tendem a ignorar uma dose saudável de realidade. A nota da União Africana que refere a implementação do mercado livre foi emitida na conclusão de uma cimeira em Adis Abeba e omitiu o conflito que lavra não muito longe dali, na região etíope de Tigray. Na mesma altura, em Cabo Delgado prosseguiam as atrocidades contra população e deslocações em massa. Ironicamente, na província moçambicana está em curso o maior investimento actual no continente africano, no complexo de gás natural liquefeito.

A economia e os mercados livres são importantes, mas sem segurança de que valem? Na origem desses conflitos - incluindo o de Cabo Delgado - estão tráficos e grupos criminosos que se alimentam e estimulam a lei e a desordem, explorando as fraquezas dos estados.

Poderá a zona de Comércio Livre triunfar com tantos conflitos por resolver no continente - nalguns casos, a eclodir? Poderá trazer benefícios prometidos, sem um ambicioso programa de melhoria da qualidade da Governação? A União Africana têm uma estratégia para tal? Ou estão a 'pôr carro a frente dos bois?´. Parece-me legítimo ter dúvidas. Até porque a célebre narrativa do 'Africa Rising' de há 10 ou 15 anos deu em mais do mesmo: casos de sucesso - alguns - e desigualdade dentro e entre países - muita, demasiada. E potenciadora de mais conflitos.

 

Paulo Guilherme - Editor

([email protected])

 

*Insurgência

PS - Porque Natal é tempo de Fé e Esperança, termino registando que esta semana o Relatório de Desenvolvimento Humano 2020 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que sopesa indicadores de Saúde, Educação e Económicos, dá conta de uma subida (ligeira) de todos os países lusófonos. (LER AQUI) Moçambique é a excepção e saibam os moçambicanos exigir mais das suas autoridades. Um Santo Natal a todos.