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Análise

Moçambique: Nyusi quer "tomar conta do partido" no XI Congresso da Frelimo

Moçambique: Nyusi quer "tomar conta do partido" no XI Congresso da Frelimo

 
Por: Emmanuel de Oliveira Cortês

De passagem por Lisboa para uma formação sobre a aplicação da lei de combate à corrupção, no âmbito dos objetivos de desenvolvimento sustentável, Baltazar Fael, analista moçambicano do Centro de Integridade Pública (CIP), defendeu em entrevista ao Africamonitor.net que o trabalho do CIP tem tido um impacto positivo ao nível da transparência e boa governação em Moçambique, embora o governo tente desvalorizar a sua actuação. Entre os analistas independentes, existe receio devido aos casos de ameaças e violência contra vozes dissonante em relação ao Governo ou à FRELIMO. No dia em que a FRELIMO dá início a um dos Congressos mais importantes da sua história, o analista do CIP manifesta elevadas expectativas de mudança.


Africamonitor.net - Recentemente, o antigo ministro da Justiça moçambicano, Abdurremane Lino de Almeida, foi condenado a dois anos de prisão e seis meses de multa por crimes de abuso de funções e remunerações indevidas. A antiga presidente do Conselho de Administração do Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA), Setina Titosse, é acusada de desvio de 2,7 milhões de dólares desta instituição pública. As figuras de alto nível do Estado moçambicano, entre outros, estão na mira da Justiça?
BF - Eu penso que primeiro é preciso definir o que são figuras de alto nível... é preciso olhar que pessoas são estas, qual é o capital político que têm dentro da FRELIMO. Se estão dentro da FRELIMO por causa da sua competência técnica, por outro lado, não têm nenhum capital político, não têm bases de apoio dentro da FRELIMO. Queria ver ser preso, ser levado a barra dos tribunais uma figura histórica deste partido, uma figura que de alguma forma tenha peso dentro do Comité Central e da comissão política do partido FRELIMO, e que esteja a ocupar um cargo elevado ao nível do Estado. O que sucede, é que eu considero “peixe miúdo” um Abdurremane Lino de Almeida, uma PCA. São bodes expiatórios para algo que acontece ao mais alto nível. Portanto, são aqui a ponta do iceberg, porque em baixo da camada de gelo há coisas maiores, mais fortes. Para mim é um passo, mas tem que ser um passo para atingir outros níveis, atingir pessoas com outro peso dentro do partido FRELIMO e do Estado moçambicano.

AM.NET - Entre 26 de setembro a 1 de outubro deste ano, realizar-se-á o XI congresso da FRELIMO. O que acha que poderá sair deste congresso?
BF - Acredito que eu que haverá, ou surgirão grandes mudanças dentro do partido, tanto na composição de vários órgãos - penso eu que é o Comité Central que é capaz de vir a sofrer algumas alterações - porque claramente que o Presidente da República, neste momento, está numa situação que está a tentar assumir algum protagonismo, e ganhar espaço de um verdadeiro líder dentro do partido. Algo que nos pareceu, numa análise superficial que ele de fato não tinha. Ainda não tinha montado as suas pedras nos sítios estratégicos, mas penso que em certa medida, ele aos poucos vai montado as sua pedras dentro do partido, desde os serviços de segurança do Estado que houve uma mudança, até outras entidades. Penso que se não avançou mais do que isto, é porque de alguma forma ele é que montou o governo, mas ainda há dentro do Estado alguns órgãos cuja a nomeação e manutenção do cargo depende dele. Então, ele precisa de ganhar mais músculo dentro do partido para poder fazer estas alterações. Acredito que é um congresso que pode vir a marcar uma viragem dentro do próprio partido FRELIMO, e é o que se pretende, na minha visão, por parte de Nyusi e alguns dos seus seguidores - de tomarem conta, de fato, do partido, e de quem lhe colocou no poder - sabemos quem são esses pessoas, não vou avançar os nomes - pessoas que também querem ver Nyusi de fato a mandar dentro do partido. Então, eu penso que haverá mudanças, e é lógico que isso aconteça, agora é preciso que esperemos para ver qual é a dimensão dessas mudanças, se o próprio Presidente da República e seus seguidores, têm capacidade suficiente para introduzir essas mudanças e àquele nível.

AM.NET - Nas teses para o XI congresso, consta que a FRELIMO defende um sistema de governação que promova uma Administração pública íntegra, moderna, competente, eficiente, transparente, exemplar e isenta de corrupção. O que acha que será debatido neste congresso acerca do tema da corrupção na Administração pública?
BF - Eu penso que já se tem ouvido um pouco alguns pronunciamentos de combate à corrupção por parte do Presidente da República, só que são sempre a um nível muito baixo, nas visitas aos distritos, nas visitas às províncias, mas não se ouve ainda um discurso de combate à corrupção ao nível da própria classe de titulares de cargos públicos em que se inclui o próprio presidente Nyusi. Ainda estamos a falar de um combate à corrupção muito por baixo, naquele combate à corrupção que tem a ver com as instituições públicas que lidam diretamente com o cidadão, ainda estamos a falar de um combate à corrupção que tem a ver com pessoas que praticam atos como tráfico de influências, conflitos de interesse, e que de alguma forma, são àquelas pessoas que melhores recursos vão retirando do Estado. Então, pensamos que o discurso tem que ser não de topo para base, e da base para o topo, tem que abranger tanto o simples funcionário público, mas também titulares de cargos políticos, os ministros, etc. Então, de alguma forma há esta nova abordagem do Presidente da República, mas tem que ser mais arrojado, e atingir outro tipo de figuras. Também ouvi a própria Ministra da Administração Estatal a falar disto. Então, penso que mais do que proclamação de discursos e teses para o congresso do partido FRELIMO, nós queremos ver ação, queremos ver o governo a atuar em várias áreas para combater à corrupção, com programas concretos, com atitudes concretas, com envolvimento de todos, desde o Presidente da República até ao cidadão comum, porque só assim nós vamos fechar todos os poros onde possivelmente possa entrar a corrupção. Mas não podemos ir criando pequenas ilhas de integridade, que eu penso que é o que acontece em Moçambique.