Africa Monitor

Análise

Xavier de Figueiredo*: O “melhor” de Mandela

Nada terá engrandecido tanto a vida plena de grandeza que foi a de Mandela como a sua acção como Presidente da África do Sul. Não fora o seu genuíno espírito de concórdia e reconciliação, mais o sentido de justiça que o guiou – traços distintivos do seu génio – e talvez o cataclismo que no princípio da década de 90 se previa para a África do Sul, por via do delicado processo político interno que levou ao fim do apartheid, tivesse mesmo ocorrido.

Nos panegíricos fúnebres dedicados a Mandela, o que mais se vê exaltado da sua vida é o passado de lutador anti-apartheid, com as referências do costume à sua reclusão na ilha de Robben, ao carácter brutal do regime de então, etc. Mas bastaria ver ou rever “Invictus”, de Clint Eastwood, para concluir que “o melhor” de Mandela, o estadista e o humanista, foi o que veio a seguir, como Presidente da África do Sul.

Nenhum feito de Mandela foi tão importante como o de ter evitado, pelo exemplo e pela sabedoria, que a África do Sul “cedesse” a um processo que no fundo consistiu em mudar radicalmente a ordem política, social e económica que ao longo de décadas vigorou no país, moldando culturas e mentalidades. Angola e Moçambique não apresentavam problemas políticos e sociais da gravidade dos que existiam na África do Sul e viu-se o que foi o desastre da sua descolonização.

Às agoirentas profecias de então, de que a África do Sul mergulharia no caos, sucederam-se nos últimos anos outras, estas inspiradas na ideia de que a estabilidade em que o país se tem mantido não resistiria ao fim de Mandela. Fora ele o mentor da estabilidade, que zelara pela sua salvaguarda e ainda aquele que continuava a vigiar para que se mantivesse intacta. Por simples efeito mimético do seu desaparecimento físico tudo se alteraria para pior.

É provável que as novas profecias, baseadas nesta espécie de maldição pós-mortem de Mandela, não venham a resistir aos tempos que aí vêm para a África do Sul. Nada sugere que as sementes da reconciliação e da concórdia lançadas por Mandela não tenham germinado sificientemenete. Mandela não apenas espalhou a sua mensagem. Foi autêntica a forma como o fez, convencendo uns e outros de que era o melhor para todos. Uma boa razão para acreditar que a sua memória será honrada.

 
*Jornalista e analista de assuntos africanos