Africa Monitor

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EUA na senda de maior rivalidade com China em África, com ou sem Trump

EUA na senda de maior rivalidade com China em África, com ou sem Trump

O distanciamento marcou as relações dos Estados Unidos com os países africanos durante a presidência de Donald Trump, patente no facto de o próprio presidente não ter  durante o mandato visitado estes tradicionais aliados. Mas, seja qual for o vencedor das presidenciais norte-americanas, as críticas ao endividamento dos países africanos devido aos projectos de infra-estruturas chineses, e as iniciativas para concorrer com estes lançadas pela administração Trump deverão ter continuidade.

Se o adversário de Trump, Joe Biden, vencer as presidenciais de 3 de Novembro, a sua presença no continente é esperada em 2021, tal como o acolhimento pelos EUA de uma cimeira de chefes de Estado africanos, à semelhança do que fez Barack Obama em 2014, refere Peter Fabricius, consultor do Institute for Security Studies (ISS).

Uma Administração Biden deverá trazer uma nova atitude dos EUA relativamente a África, porventura mais respeitosa, referem vários analistas. O que não significa necessariamente uma mudança estratégica. Há bons registos de Presidentes republicanos em África (o African Growth and Opportunity Act, ou AGOA, e o President’s Emergency Plan For AIDS Relief, ou PEPFAR, lançados por George W. Bush, por exemplo) apoiados e/ou mantidos por Presidentes democratas, e o próprio Trump tomou medidas consideradas positivas (Better Utilization of Investments Leading to Development Act of 2018, ou BUILD Act, e o Prosper Africa).

As habituais exigências dos EUA de abertura das economias locais ou de progressos em termos de direitos humanos como contrapartida de apoio financeiro deverão manter-se. Tal contrasta com a abordagem da China , que continuará a não ser uma prioridade na agenda externa dos EUA.

O registo de Trump em África contempla outras intervenções encaradas com compreensão ou mesmo simpatia por observadores. É o caso das sanções ao Zimbabwe para forçar o respeito pela legalidade no país, do incitamento ao Presidente Felix Tshisekedi para combater a corrupção na República Democrática do Congo (RDC), do apoio ao fim da guerra civil nos Camarões, do auxílio à luta contra o ébola na RDC.

Também destacado é o apoio ao contra-terrorismo no Sahel e a retirada do Sudão da lista de países patrocinadores do terrorismo, embora neste caso a troco de uma normalização das relações do país com Israel e do pagamento de compensações de 335 milhões de dólares às vítimas e famílias de vítimas dos ataques da Al-Qaeda às embaixadas norte-americanas do Quénia e da Tanzânia em 1998, o que foi mal recebido pela oposição ao Governo de Cartum.

Menos elogiadas foram as preferências dos EUA por acordos bilaterais com parceiros estratégicos em detrimento de entendimentos multilaterais mais favoráveis aos interesses de todo o continente e a suspensão de auxílio financeiro à Etiópia por esta construir uma barragem no Nilo (Barragem Grand Renaissance, a maior do continente) e que pode significar a redução do caudal do rio de que depende fortemente o Egipto, ao lado do qual Trump se colocou nesta questão.  

Sem um registo presidencial africano que possa apresentar a seu favor, excepto como vice-Presidente de Barack Obama, e refém de uma tradição de consenso partidário relativamente a África, Joe Biden terá pouco por onde se distinguir de Trump no continente. Mais respeito por África e uma opção por acordos multilaterais são vias óbvias e expectáveis. O maior feito que Biden pode ambicionar alcançar, porém, será outro: reconquistar a admiração de África pelos EUA. O que não será fácil, porque se trata de um continente carente de infra-estruturas materiais e tem sido a China a preencher esse vazio desde os anos 90 do século passado graças à sua vasta disponibilidade financeira.

Trump, além do desprezo manifestado por África, representa o descrédito de valores como a liberdade e a democracia, referências tradicionais dos EUA. “Cenas de brutalidade policial, restrições ao direito de protesto, discursos de ódio e alusões a manipulação eleitoral e à possibilidade do incumbente recusar aceitar a derrota são familiares em África e inesperadas na América”, refere Cliff Mboya, especialista em Relações Internacionais citado pelo Center for Strategic and International Studies (CSIS). Ao olhar para os EUA de Trump, a sociedade civil africana sente-se “abandonada, com pouca motivação para prosseguir uma agenda de democratização”, diz o analista.

Como refere Fred Muvunyi, repórter e editor do Deutsche Welle, também citado pelo CSIS, “Trump baixou o padrão de governo dos EUA para o nível de muitos países autoritários em África”. Uma agenda moral poderá distinguir Biden de Trump em África e recuperar algum prestígio democrático ali perdido. Mas pode não bastar para satisfazer as necessidades materiais do continente que têm alimentado a crescente penetração e influência chinesas em África nos últimos 25 anos.

Segundo a Borgen Magazine, Biden esclareceu o centro de investigação Council on Foreign Relations sobre como pretendia responder ao esperado aumento demográfico africano. Reforçar relações comerciais com países africanos, conferir mais poder às mulheres africanas, promover um programa de urbanização de cidades africanas através do acesso à energia, ao transporte, à gestão da água e à adaptação às alterações climáticas e ainda fazer prova do modelo democrático americano, são as suas propostas.

Mais do que esta retórica demasiado vaga, na sua eventual relação presidencial com África podem pesar outras escolhas, como Kamala Harris, a primeira mulher não-branca candidata a vice-Presidente dos EUA. Num contexto de antagonismo entre a administração Trump e a comunidade negra dos EUA, como o actual, esta opção, carregada de simbolismo, pode beneficiar Biden não só internamente mas também junto da diplomacia africana.

Se é certo que da China África pode continuar a esperar o mesmo auxílio interessado das últimas décadas, sem outras contrapartidas que não presenças estratégicas em empresas ou territórios, não o é menos que dos EUA também não são de esperar grandes novidades depois desta eleição. Excepto, talvez, no plano moral. O que não sendo despiciendo, pode não ser suficiente para trocar de aliado estratégico. (JA)

 

Nota: O autor não segue as regras do novo acordo ortográfico