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Projecção aponta para entre 300 mil e 3,3 milhões de vítimas de Covid-19 em África

Projecção aponta para entre 300 mil e 3,3 milhões de vítimas de Covid-19 em África

Uma projecção do Imperial College estima que o vírus pode matar mais de 3 milhões de pessoas no continente.

 

Entre 300 mil a 3,3 milhões de pessoas podem morrer em África em consequência do Covid-19, conforme o grau de intervenção para travar a pandemia, admite um relatório da Comissão Económica das Nações Unidas para a África (ECA, no acrónimo em inglês) publicado este mês. Os custos de resposta em cuidados de saúde são estimados entre 44 mil milhões e 446 mil milhões de dólares.

O documento  («COVID-19 in Africa: Protecting Lives and Economies») também antecipa que na sequência da pandemia, entre 2,3 e 22,5 milhões de pessoas podem precisar de cuidados hospitalares, entre meio milhão e 4,4 milhões podem precisar de cuidados intensivos e entre 129 milhões e 1.200 milhões serão infectadas no continente africano.

Os números resultam da aplicação de um modelo do Imperial College, que associa o pior cenário à ausência de qualquer intervenção e o melhor à introdução de medidas drásticas de distanciamento social (que prevêem a redução do contacto entre a população em 75% a partir dos 0,2 óbitos semanais por 100 mil habitantes). O primeiro terá um custo de resposta em cuidados de saúde estimado em 446 mil milhões de dólares e o último um custo de 44 mil milhões de dólares, num continente que tem 138 mil milhões de dólares alocados a despesas de saúde em 2020. Pelo meio, o modelo contempla dois cenários intermédios.

Dados do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (Africa CDC, em inglês) de 24 de Abril indicavam 1.298 mortos por Covid-19 e 27.427 infectados confirmados em África, abrangendo mais de 50 Estados.


O papel da demografia

No plano demográfico, África tem uma população jovem, em que 60% têm menos de 25 anos, segundo a ECA, que é uma vantagem face à pandemia actual, que afecta mais os idosos.

Todavia, outras realidades estão patentes no continente. De acordo com a ECA, 56% da população reside em zonas sobrepovoadas e favelas (excepto no Norte de África), em que só 34% dos lares dispõem de instalações básicas para lavagem de mãos. Cerca de 40% das crianças com menos de 5 anos são subnutridas e em alguns países verifica-se uma prevalência de HIV, tuberculose e doenças respiratórias e renais crónicas.

A ECA recorda também os baixos rácios de camas hospitalares em África – 1,8 por mil pessoas, contra 5,98 de França, por exemplo. E cita dados do "think tank" Rand Corporation de 2016, segundo os quais dos 25 países mais vulneráveis a doenças infecciosas, 22 são em África. Lembra igualmente a falta de documentos de identificação em mais de 40% da população africana, ou seja, em mais de 500 milhões de pessoas, segundo dados do Banco Mundial, o que dificulta a prestação de cuidados de saúde e a distribuição de medicamentos pelas autoridades.


Obstáculos económicos

No plano económico, a ECA lembra que num mercado de saúde avaliado em 259 biliões de dólares anuais, como é África, o continente depende em 94% de fármacos e outros produtos médicos importados, principalmente da União Europeia a 27 (51% do total) e Índia (19%). O que no contexto actual prejudica o combate à pandemia entre os africanos. Fundamentalmente, porque “pelo menos, 71 países impuseram limitações ou cancelamentos a exportações” de certos produtos essenciais para combater o Covid-19.

Mas não só. Face à urgência de determinados medicamentos e equipamentos, o pagamento de direitos de propriedade intelectual nesse tipo de bens onera ainda mais a sua produção em muitas das já débeis economias africanas, dificultando a resposta desses Estados à pandemia. O que leva a ECA a defender a isenção desses direitos em África, facilitando a produção de fármacos e outros produtos no continente.

Por outro lado, as taxas sobre produtos importados cobradas pelos Estados africanos tornam-se “particularmente problemáticas”, segundo a ECA, nos casos das máscaras faciais, luvas, batas cirúrgicas, desinfectantes, produtos esterilizantes, consumíveis médicos (gases, seringas, kits de intubação, coberturas de papel para camas), termómetros e sabão. Nalguns locais, as taxas habituais destes produtos disparam, em função da sua codificação aduaneira, pelo que a ECA apela aos Governos africanos para que as suspendam.

Finalmente, o mais baixo rácio mundial entre receitas fiscais e Produto Interno Bruto (13,4% em 2018), juntamente com uma queda vertiginosa de preços de "commodities" africanas (café, cacau, chá, têxteis, petróleo, outros minerais) em mercados habitualmente compradores em virtude de menor consumo e à diminuição de receitas do turismo, transporte aéreo e remessas de emigrantes, deixam pouca margem de manobra financeira ao continente para fazer face à pandemia.

A ECA traduz estes factores numa previsão de forte quebra do crescimento africano, em aumento do desemprego e da pobreza, apelando à criação de um fundo líquido de 100 biliões de dólares para apoio social em África, destinado a ajudar os mais vulneráveis, alimentar as crianças que não frequentam escolas, proteger empregos e ainda, através da Organização Mundial de Saúde e da própria ECA, partilhar resultados de investigações, fornecer vacinas, produzir equipamentos de saúde e partilhar serviços de emergência.