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Moçambique: Apoio russo em Cabo Delgado a troco de concessões mineiras

Moçambique: Apoio russo em Cabo Delgado a troco de concessões mineiras

A empresa mineira russa Nordgold procura obter concessões em Cabo Delgado

 

A instabilidade de Moçambique resultante do conflito armado entre os fundamentalistas islâmicos e as forças de segurança e militares em Cabo Delgado, norte do país, favorece a penetração da Rússia na África Oriental, sobretudo na mineiração e energia. Um relatório recente da Grey Dynamics conclui que Moscovo quer expandir as suas actividades mineiras na região entre 2020 e 2025, por motivos económicos, e para disputar influência aos seus rivais regionais, como China e Estados Unidos.

O método usado pela Rússia contempla um apoio militar não oficial no terreno à luta de Maputo contra os insurgentes, prestado através de mercenários, como tem sido o caso do Grupo Wagner.

A troco de direitos de concessão, Moscovo oferece esse apoio sem se comprometer oficialmente, o que tem algumas vantagens. Por um lado, confere valor acrescentado à contrapartida pelas concessões mineiras. Por outro, especialmente na província de Cabo Delgado, onde, segundo o relatório, a empresa mineira russa Nordgold procura obter concessões, e onde se verificam os principais combates, os mercenários teriam ainda a função de proteger interesses económicos russos na zona.

Finalmente, os mercenários acabam por ser uma presença militar russa na região, sem que Moscovo tenha que reconhecer diplomaticamente que tem tropas no terreno, que participa em quaisquer opera

ções ou que é responsável por quaisquer vítimas de guerra. O relatório refere igualmente a presença de conselheiros militares russos e acordos de venda de armas, que o Governo de Moçambique também tem dificuldade em admitir, a coberto dos mercenários que operam na região.

Em Moçambique, as forças da Wagner sofreram pesadas derrotas às mãos dos radicais islâmicos e perderam posições. Diz-se que estavam pouco preparadas para uma guerrilha no mato, diferente de outros teatros de operações que conheciam melhor, como o deserto líbio. E que não despertavam empatia nas populações locais, ao contrário dos fundamentalistas islâmicos, que chegaram a recrutar elementos localmente e, diz-se, até entre as Forças de Defesa e Segurança de Moçambique.

O relacionamento entre os mercenários russos e as forças militares de Moçambique, suas aliadas no conflito, também não terá sido o melhor, prejudicando as operações.

Além da mineração, a Rússia tem interesse na exploração energética em Moçambique. Em 2019, a Rosnet, a maior empresa petrolífera estatal russa, subscreveu um protocolo de cooperação com a Empresa Nacional de Hidrocarbonetos E.P. (ENH), moçambicana, para exploração conjunta de gás natural na plataforma continental do país, no âmbito de um consórcio que inclui, além destes dois parceiros, a norte-americana Exxon Mobil e a Qatar Petroleum.

O contexto moçambicano enquadra-se na estratégia russa de aproveitar regimes políticos instáveis, como os do Sudão, Etiópia ou Somália, para forçar a sua penetração na África Oriental, onde as jazidas minerais não estão integralmente exploradas e são especialmente atractivas para as empresas mineiras internacionais.

O ouro é um dos minerais em questão e existe em Moçambique bem como no Sudão, Etiópia, Ruanda e Quénia. Mas não é o único. O relatório menciona também o estanho, pedras preciosas, ferro, carbonato de sódio, crómio e bauxite.

Nem todos estes Estados têm o mesmo grau de instabilidade, que será maior no Sudão e Moçambique. Nos outros, com maior estabilidade e sujeitos a menores riscos, prevalece alguma confiança que também é bem acolhida pelos investidores. E que porventura dispensa outro tipo de intervenção, clandestinamente musculada, para chegar ao mesmo resultado.

Também nesta matéria existe um reverso da medalha que pode ter efeitos perversos. De acordo com a Deutsche Welle (DW), em Cabo Delgado, garimpeiros locais terão sido preteridos e mesmo afastados em prol de empresas nacionais e estrangeiras, gerando descontentamento nas populações locais. Até porque, refere a mesma fonte, a legislação moçambicana atribui às comunidades locais uma área para exploração própria de recursos minerais. Um descontentamento que pode sempre reverter a favor dos insurgentes islâmicos.

O interesse russo na África Oriental, porém, não é mais do que o reflexo das ambições de Moscovo em todo o continente. Afinal, África terá 30 por cento das reservas minerais mundiais e a Rússia está cotada como uma das principais produtoras mundiais de "commodities" minerais.

Na República Centro Africana, na Guiné, no Zimbabwe e em Angola a presença russa na mineração é conhecida. Não podendo competir financeiramente com a China no continente, Vladimir Putin recorre a outros meios, até porque os minerais são fundamentais para a sua indústria e, de acordo com estudos de referência, a Rússia é a maior fornecedora de armas ao continente africano.

Esta expansão não escapa ao olhar atento dos seus concorrentes, mas beneficia da negligência a que os Estados Unidos têm votado a sua própria presença no continente.