Africa Monitor

Acesso Livre

Paulo Guilherme

A Solidão de Lourenço

A Solidão de Lourenço

 "As autoridades encaram com particular apreensão o facto de a Igreja estar agora a ser vista na sociedade como uma das vozes críticas da actual situação no país, nomeadamente no que toca aos efeitos sociais da crise económica e aos direitos humanos. A capacidade mobilizadora que lhe é reconhecida tende a servir de conforto aos descontentes".

Este é um excerto do artigo "Angola: Diferente Atitude da Igreja Acresce a Preocupações de Lourenço", publicado pelo Africa Monitor Intelligence em finais de Novembro do ano passado, análise informada das diversas correntes dentro da máquina eclesiástica angolana. E a algumas das personalidades que estão a ditar o seu novo andamento.

Cerca de dois meses depois de publicado o artigo, na passada semana assistimos àquela que foi talvez a maior clivagem entre a Igreja Católica - que mais do que um confissão é um Estado à parte do Estado - e o Governo de João Lourenço. Embatendo de frente contra a versão oficial dos brutais acontecimentos de Cafunfo - versão essa que, em bom rigor, tem muito pouca adesão à realidade - os bispos católicos qualificaram-na de "grave massacre". (ler aqui)

A irritação do ministro Eugénio Laborinho no dia seguinte foi visível. E não é para menos: a Igreja e os seus bispos continuam a ser das vozes mais respeitadas no país. Onde a assistência do Estado às pessoas não chega muitas vezes, a Igreja chega. Quando é o próprio estado e os seus agentes de segurança protagonista de violência contra a população, a Igreja denuncia.

É, por isso, grave para João Lourenço estar a ver a Igreja a distanciar-se. Influente nos vários estratos da população, seria também um aliado natural para um combate sério à corrupção e um esforço convicto para melhorar as condições de vida das populações.

A UNITA - outro pequeno Estado e com grande capacidade de organização e mobilização - poderia ter sido outro importante aliado. Mas, maltratada ao ponto de ter as suas comunicações devassadas pelos serviços de informações (como já demos conta no AM), parece irremediavelmente afastada. Em relação à Igreja, talvez seja possível a Lourenço ainda reatar, mas nova carga policial na quinta-feira em Luanda - e outras que poderão resultar de manifestações planeadas para as próximas semanas - tornam difícil à Igreja contemporizar.

Isolados internamente e cada vez mais desacreditados externamente, Lourenço e os seus ministros multiplicam-se agora em aparições ao lado de "sheiks" árabes, diplomatas saharauis e de países pequenos. E a crise da pandemia está longe de terminar.
 

 

PS - A propósito do meu comentário "Moçambique: De Bom Aluno a Bom Malandro", na semana passada, o professor Joseph Hanlon fez-me chegar um artigo de sua autoria sobre o tema das relações dos diferentes governos moçambicanos com os parceiros internacionais, assunto que domina como poucos. É notável como o mesmo continua atual, anos depois de publicado, e por isso deixo o link para quem queira aprofundar o tema (aqui).